Trainees somente para jovens e aposentadoria aos 60: dois símbolos do etarismo

Ações como lançar programas de trainee apenas para jovens e aposentar profissionais aos 60 anos alimentam o preconceito de idade nas empresas

Por Stefan Ligocki, CEO e sócio-fundador da Mais 40+

Como um preconceito se perpetua? Por meio da repetição sistemática de comportamentos, atitudes, palavras, imagens…ou seja, por meio da manutenção de uma CULTURA preconceituosa. Se não mudarmos a cultura, nada muda. Leva tempo? Sim! É difícil? Com certeza! Mas se não começarmos logo, nada muda.

No caso do etarismo no mercado de trabalho brasileiro, há vários contextos que contribuem para a continuidade da forte cultura preconceituosa contra os profissionais 40+ e que precisam ser combatidos imediatamente. No entanto, há pelo menos dois tipos de situações que, para mim, são verdadeiros “símbolos” do preconceito de idade nas empresas nacionais: os programas de trainees e de estágios focados apenas em atrair jovens e a aposentadoria compulsória de executivos com mais de 60 anos – duas práticas que, se você parar para refletir, são completamente anacrônicas nos dias atuais. 

Pra começar, vamos falar sobre os programas de trainee e de estágios focados apenas em jovens.

Em um mundo no qual o aumento da longevidade é uma realidade (no Brasil, a expectativa de vida beira os 80 anos) e as reinvenções de carreira na maturidade se tornaram cada vez mais comuns – sobretudo após a pandemia –, não faz o menor sentido imaginar que recém-formados ou universitários são apenas jovens de até 30 e poucos anos.

Não são! Há muitos 40+, 50+ e 60+ começando novas carreiras por aí!

Mesmo assim, a imensa maioria dos programas de trainee e de estágios divulgados por empresas brasileiras em seus canais oficiais (site e redes sociais) são direcionados apenas para jovens. Isso fica evidente nas próprias campanhas de marketing e comunicação desses programas, que via de regra mostram somente jovens – sejam eles homens, mulheres, brancos ou negros… o fato é que são sempre jovens!

Aliás, foi exatamente isso o que vi há poucos dias na minha timeline no LinkedIn: em um post de uma grande empresa farmacêutica brasileira, profissionais eram convidados para participar do seu programa de trainee. Na imagem do post, é claro, apareciam somente jovens. Nem sinal de algum profissional com o típico “cabelo prateado” que escancara a experiência de vida. Era só mais um post com “verniz de juventude” que parecia dizer nas entrelinhas: “ a vida termina aos 40, conforme-se”. Preocupante.

O mais surpreendente é que alguns desses anúncios chegam até mesmo a dizer claramente que as vagas são somente para profissionais que tenham até 35 anos de idade – o que é crime, diga-se de passagem, já que a legislação brasileira estipula que é proibido discriminar uma profissional por causa de sua idade. Qualquer idade.

Esse comportamento etarista demonstrado por muitas empresas nos seus lançamentos de programas de trainee e estágios direcionados somente para jovens, aliás, vai ao encontro de estudos recentes que comprovam que o preconceito de idade contra profissionais 40+ é uma prática comum no mercado de trabalho, infelizmente.

Um levantamento realizado pela consultoria PwC em parceria com nas a Fundação Getúlio Vargas (FGV), por exemplo, aponta que 88% das empresas preferem “não atrair sêniores para os seus times”. Já uma outra pesquisa promovida pelo site de empregos Infojobs apurou que 70% dos profissionais com mais de 40 anos já sofreram com o etarismo.

É válido lembrar que há exceções no nosso mercado de trabalho predominantemente etarista. Desde o início de 2021, empresas como PepsiCo, Cacau Show, Empiricus e Qualicorp lançaram programas de trainee e de estágios específicos para profissionais 40+, 50+ e 60+, um sinal claro de que está começando a “cair a ficha” no mercado sobre a importância de combater o preconceito de idade. E isso é ótimo! Mas vamos combinar que é muito pouco para um país do tamanho do Brasil, no qual a maioria da população já tem mais de 40 anos, concorda comigo?

Na outra ponta da engrenagem do mercado, eu não posso deixar de mencionar outro absurdo que é a aposentadoria compulsória de executivos, uma prática etarista muito comum em grandes empresas – há um caso emblemático envolvendo o filho do fundador do Banco Itaú, Roberto Setúbal, que em 2016 foi obrigado a deixar a presidência da instituição financeira porque atingiu a “idade-limite” para ocupar o cargo, segundo as regras da empresa: 62 anos. Apenas um ano antes, o mesmo executivo “velho demais” para permanecer no comando do Itaú havia sido considerado o 24º melhor CEO do mundo pela revista Harvard Business Review.

Um estudo divulgado em fevereiro deste ano só reforça o quanto as aposentadorias obrigatórias de executivos 60+ são, no mínimo, contestáveis em um mundo de longevidade crescente.

De acordo com a pesquisa da universidade norte-americana George Washington School of Medicine and Health Sciences, é somente por volta dos 60 anos de idade que a interação dos hemisférios direito e esquerdo do cérebro torna-se harmoniosa, o que expande as possibilidades criativas do ser humano. Trocando em miúdos: exatamente no momento em que um profissional alcança o maior potencial de criatividade, o mercado de trabalho passa a considera-lo “obsoleto”.

Tem algo muito errado aí. A conta não fecha!

E aqui quero voltar ao questionamento que abriu esse texto: como mudar uma cultura que se perpetua? Mudando a mentalidade das pessoas!

Portanto, se você é gestor de empresa ou profissional de RH, preste atenção: já passou da hora de rever alguns conceitos ultrapassados sobre idade x competência. No momento de contratar, promover ou demitir qualquer profissional, pare de considerar a idade como fator determinante. Avalie um profissional pelo seu perfil e pelo que é capaz de entregar para a empresa, e não pela sua data de nascimento. Caso contrário, jamais acabaremos com o preconceito de idade no mercado de trabalho.

Não sabe como começar a mudar isso aí na sua empresa. Entre em contato com a nossa equipe. Grande abraço e até a próxima!

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